No dia 15 de dezembro, o Bitcoin caiu de 90 000 $ para 85 616 $ — uma descida superior a 5 % num único dia.
Nesse dia, não se registaram choques relevantes nem notícias negativas, e os dados on-chain não indicaram pressão de venda invulgar. Se acompanhássemos apenas as notícias do setor cripto, seria difícil encontrar uma explicação razoável.
Por outro lado, o ouro foi cotado a 4 323 $ por onça, apenas menos 1 $ do que no dia anterior.
Um ativo caiu 5 %; o outro praticamente não mexeu.
Se o Bitcoin fosse realmente “ouro digital” — uma proteção contra inflação e desvalorização das moedas fiduciárias — deveria comportar-se mais como o ouro em momentos de risco. No entanto, desta vez, o seu desempenho assemelhou-se claramente ao das ações tecnológicas de alta volatilidade no Nasdaq.
O que está a motivar esta venda? A resposta pode estar em Tóquio.
No dia 19 de dezembro, o Banco do Japão reúne para decidir a política monetária. O mercado espera um aumento de 25 pontos base, elevando a taxa de referência de 0,5 % para 0,75 %.
Apesar de 0,75 % parecer modesto, é o valor mais alto em quase 30 anos no Japão. Em plataformas como Polymarket, a probabilidade deste aumento é de 98 %.

Como pode uma decisão de um banco central tão distante, em Tóquio, provocar uma queda de 5 % no Bitcoin em apenas 48 horas?
A explicação está no “yen carry trade”.
O mecanismo é direto:
As taxas de juro japonesas mantêm-se próximas de zero, ou mesmo negativas, há anos, tornando o financiamento em yen praticamente gratuito. Assim, hedge funds globais, gestores de ativos e trading desks pediram emprestado grandes somas em yen, converteram-nas em dólares americanos e investiram em ativos de maior rendimento — Treasuries dos EUA, ações dos EUA ou criptomoedas.
Desde que o retorno destes ativos seja superior ao custo de financiamento em yen, a diferença é lucro.
Esta estratégia existe há décadas e tem uma dimensão colossal — tão grande que é difícil de quantificar. Estimativas conservadoras apontam para várias centenas de milhares de milhões de dólares; com derivados, alguns analistas acreditam que pode atingir vários biliões.
O Japão tem ainda uma posição especial:
É o maior detentor estrangeiro de Treasuries dos EUA, com 1,18 biliões $ em obrigações do Tesouro norte-americano.
Isso significa que alterações nos fluxos de capitais japoneses afetam diretamente o mercado de obrigações mais relevante do mundo — e, por consequência, o preço de todos os ativos de risco.
Quando o Banco do Japão sobe as taxas, a base desta estratégia é abalada.
Primeiro, o custo de financiamento em yen aumenta e as margens de arbitragem diminuem. Mais importante, a expectativa de subida das taxas valoriza o yen. Como estas instituições pediram yen emprestado e converteram em dólares para investir,
agora precisam de vender ativos em dólares e reconverter os montantes em yen para reembolsar os empréstimos. Quanto mais forte o yen, mais ativos têm de vender.
Esta “venda forçada” não faz distinção de momento nem de classe de ativos. Os ativos mais líquidos e fáceis de converter em dinheiro são vendidos primeiro.
Por isso, o Bitcoin, que negocia 24/7, tem menos profundidade que as ações e não dispõe de circuit breakers, é frequentemente o primeiro a ser penalizado.
O histórico recente de subidas das taxas pelo Banco do Japão confirma esta hipótese:

O caso mais recente foi a 31 de julho de 2024. Após o BOJ subir as taxas para 0,25 %, o yen valorizou face ao dólar de 160 para menos de 140. O BTC caiu de 65 000 $ para 50 000 $ numa semana — uma queda de 23 % — eliminando 60 mil milhões $ de capitalização do mercado cripto.
Analistas on-chain relatam que, após cada uma das últimas três subidas das taxas pelo BOJ, o BTC registou correções superiores a 20 %.
Embora o momento e a dimensão variem, a direção é surpreendentemente constante:
Quando o Japão aperta a política monetária, o BTC é sempre o mais afetado.
Por isso, considero que os acontecimentos de 15 de dezembro foram, essencialmente, uma antecipação do mercado. Mesmo antes da decisão de 19 de dezembro, o capital já estava a sair.
Nesse dia, os ETFs de BTC nos EUA registaram saídas líquidas de 357 milhões $ — o maior valor diário em duas semanas. Mais de 600 milhões $ em posições long alavancadas em cripto foram liquidadas em 24 horas.
Provavelmente não foi pânico de investidores de retalho, mas sim uma reação em cadeia de trades de arbitragem desfeitos.
Já explicámos o mecanismo do yen carry trade, mas surge outra questão:
Porque é que o BTC é sempre o primeiro ativo a ser vendido?
É comum dizer-se que o BTC tem “boa liquidez e negocia 24/7”. É verdade, mas não explica tudo.
A verdadeira razão é que, nos últimos dois anos, o BTC foi reclassificado: deixou de ser um “ativo alternativo” independente das finanças tradicionais — integra agora o portefólio de risco de Wall Street.
Em janeiro do ano passado, a SEC dos EUA aprovou ETFs de Bitcoin spot — um marco aguardado há uma década pela indústria cripto. Gestores de ativos como BlackRock e Fidelity podem agora incluir legalmente BTC nos portefólios dos clientes.
O capital entrou, mas trouxe uma mudança de identidade: os detentores de BTC mudaram.
Antes, os compradores de BTC eram nativos cripto, investidores de retalho e family offices agressivos.
Agora, incluem fundos de pensões, hedge funds e modelos de alocação de ativos. Estas instituições também detêm ações dos EUA, Treasuries e ouro, gerindo orçamentos de risco entre classes de ativos.
Quando precisam de reduzir risco, não vendem apenas BTC ou ações — ajustam todas as exposições proporcionalmente.
Os dados comprovam esta ligação.
No início de 2025, a correlação móvel de 30 dias entre BTC e Nasdaq 100 atingiu 0,80 — o valor mais alto desde 2022. Antes de 2020, esta correlação oscilava entre -0,2 e 0,2, praticamente inexistente.

Mais relevante ainda, esta correlação dispara em períodos de stress de mercado.
Durante o crash pandémico de março de 2020, as subidas agressivas das taxas pela Fed em 2022 e as preocupações tarifárias no início de 2025, BTC e ações dos EUA tornaram-se ainda mais próximos à medida que o sentimento de aversão ao risco se intensificou.
Em momentos de pânico, as instituições não distinguem entre “ativos cripto” e “ações tecnológicas” — só veem risco.
Isto coloca a questão: ainda se mantém a narrativa do ouro digital?
Observando o longo prazo, desde 2025, o ouro valorizou mais de 60 % — o melhor ano desde 1979 — enquanto o BTC caiu mais de 30 % desde o máximo.
Ambos são promovidos como proteção contra inflação e desvalorização das moedas fiduciárias, mas, no mesmo contexto macro, seguiram caminhos opostos.
Isto não significa que o valor de longo prazo do BTC esteja em causa — o retorno anual composto a cinco anos continua a superar largamente o S&P 500 e o Nasdaq.
Mas nesta fase, a lógica de valorização de curto prazo mudou: é agora um ativo de elevado risco e volatilidade, não um porto seguro.
Compreender isto é essencial para perceber porque um aumento de 25 pontos base pelo BOJ pode fazer o BTC cair milhares de dólares em apenas 48 horas.
Não são os investidores japoneses que estão a vender BTC; é o facto de, com o aperto da liquidez global, as instituições reduzirem todas as exposições de risco em simultâneo — e o BTC é o elo mais volátil e líquido dessa cadeia.
Na altura em que escrevo, faltam ainda dois dias para a reunião de política monetária do BOJ.
O mercado já incorporou o aumento das taxas. O rendimento das obrigações governamentais japonesas a 10 anos subiu para 1,95 %, o valor mais alto em 18 anos. O mercado obrigacionista já antecipou uma política mais restritiva.
Se o aumento das taxas está totalmente esperado, será que o dia 19 de dezembro ainda trará um choque?
A história mostra que sim, mas o impacto depende da comunicação do banco central.
O efeito de uma decisão de política não depende só do número — depende do sinal. Para o mesmo aumento de 25 pontos base, se o governador do BOJ, Kazuo Ueda, disser: “Vamos avaliar os próximos passos com cautela, com base nos dados”, o mercado pode acalmar.
Se disser: “As pressões inflacionistas persistem e novo aperto é possível”, pode desencadear nova vaga de vendas.
A inflação atual no Japão ronda os 3 %, acima da meta de 2 % do BOJ. O que preocupa o mercado não é este aumento, mas se o Japão está a entrar num ciclo prolongado de restrição.
Se for esse o caso, o desmantelamento do yen carry trade pode tornar-se um processo de meses, e não um evento isolado.
No entanto, alguns analistas têm uma perspetiva diferente desta vez.
Primeiro, as posições especulativas em yen passaram de líquidas vendidas para líquidas compradas. A forte venda de julho de 2024 deveu-se em parte ao mercado ter sido apanhado de surpresa — havia ainda grandes posições vendidas em yen. Agora, o posicionamento inverteu-se, limitando o potencial de valorização inesperada.
Segundo, os rendimentos das obrigações governamentais japonesas já subiram ao longo do ano, de 1,1 % no início para quase 2 % atualmente. Em certa medida, o mercado “já subiu as taxas” e o BOJ está apenas a acompanhar.
Terceiro, a Reserva Federal acabou de cortar as taxas em 25 pontos base e a liquidez global está, em geral, a aliviar. O Japão está a apertar contra a tendência, mas se a liquidez em dólares se mantiver abundante, pode compensar parcialmente a pressão do lado do yen.
Estes fatores não garantem que o BTC não caia, mas podem significar que qualquer queda seja menos acentuada do que em episódios anteriores.
Historicamente, após subidas das taxas pelo BOJ, o BTC costuma atingir mínimos uma a duas semanas depois, seguido de consolidação ou recuperação. Se este padrão se mantiver, o final de dezembro e início de janeiro poderão ser o período mais volátil — mas também uma potencial oportunidade após vendas forçadas.
Em síntese, a cadeia lógica é clara:
Subida das taxas pelo BOJ → desmantelamento do yen carry trade → aperto global da liquidez → corte de risco pelas instituições → BTC, como ativo de alto beta, é vendido primeiro.
O próprio BTC não fez nada de errado neste processo.
Simplesmente está no fim da cadeia global de liquidez macro — uma posição que não controla.
Pode não gostar, mas este é o novo normal na era dos ETFs.
Antes de 2024, o preço do BTC era sobretudo influenciado por fatores nativos de cripto: ciclos de halving, dados on-chain, tendências de exchanges e atualizações regulatórias. A sua correlação com ações e Treasuries dos EUA era baixa, sendo realmente uma “classe de ativos independente”.
Depois de 2024, Wall Street entrou em cena.
O BTC é agora gerido no mesmo quadro de risco que ações e obrigações. A sua estrutura de propriedade e lógica de valorização mudaram.
A capitalização do mercado de BTC disparou de várias centenas de milhares de milhões para 1,7 biliões $. Mas isto trouxe um efeito colateral: o BTC perdeu imunidade aos eventos macroeconómicos.
Uma simples declaração da Fed ou decisão do BOJ pode mover o preço mais de 5 % em poucas horas.
Se acredita na narrativa do “ouro digital” — que o BTC é refúgio em tempos turbulentos — o desempenho de 2025 pode ser dececionante. Pelo menos por agora, o mercado não o trata como porto seguro.
Talvez seja apenas um desalinhamento temporário. Talvez a adoção institucional ainda esteja numa fase inicial e, à medida que as alocações estabilizem, o BTC recupere o ritmo. Talvez o próximo halving volte a provar a força dos fatores nativos de cripto…
Até lá, se detém BTC, tem de aceitar esta realidade:
Está igualmente exposto à liquidez global. O que acontecer numa sala de reuniões em Tóquio pode ter mais impacto na sua conta na próxima semana do que qualquer métrica on-chain.
Este é o preço da institucionalização. Decidir se vale a pena ou não cabe a cada um.





